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Um diamante bruto, quando lapdado, tornar-se-á entediante rápidamente.

Domenique

Uma distinta dama e sua filhinha sentadas à mesa finamente posta degustavam uma saborosa sopa servida por seus empregados. A noite já se fazia dominante e a menina sem aguentar bocejou. Atitude que rendeu um aparente olhar preocupado de uma mãe zelosa. Eis que, por um único momento de descuido enquanto comia, a garotinha deixa respingar a sopa em seu vestido. Uma cena que passou em câmera lenta em sua mente. Um instante que durou horas. Este erro rendeu um olhar fulminante de sua mãe, fazendô-a estremecer. Ingenuamente a criança procura prolongar mais o jantar, comendo vagarosamente, ao mesmo tempo que tenta limpar o respingo. Sua mãe mesmo terminando de tomar a sopa antes, permanece em seu lugar fuzilando a menina com o olhar que evitava a todo custo direcionar os olhos para a fonte de seu contido desespero.

- Para o quarto!

Severamente disse a mulher assim que a garotinha terminou. Não vendo meios de escapar, do que sabia que estava por vir, ela tenta um ultimo recurso.

- Não falo do quarto onde dormes.

Com passos hesitante e olhar no chão a garotinha muda seu trajeto, segurando-se para não derramar lágrimas de seus olhos já afogados nelas. Certamente a pressa não a acompanhava, pois sabia que após chegar ao comodo ainda teria de aguardar por quase uma hora enquanto sua mãe dispensava os empregados da casa que repousavam em dormitório anexos à mansão.

Dentro do tempo previsto as portas se abrem deixando entrar um gélido vento que incide diretamente sobre as costas da criança que já esperava devidamente nua e posicionada em uma armação de ferro com braços e pernas afastadas e o rosto afundado em um travesseiro que desde já abafavam seu choro. E desta vez ela encontrava-se imóvel, tamanho era seu pavor.

Passos firmes misturados ao som de algo sendo arrastado no chão ficavam cada vez mais próximo. Algo que ela já conhecia intimamente. É então que tudo para e o breve silêncio é interrompido pelo som do atrito suave de um tecido; o que dura pouco tempo e logo dá lugar ao atrito do vestido com o ar e mais rápido ainda ao som e a sensação do choque da veste em suas costas. Neste momento a garotinha da um pulinho de susto. Mal pode identificar o que tinha acontecido e sentir-se aliviada, o chicote lambeu suas costas e o estalido ecoou. Suas costas agora estavam divididas em duas por um corte de profundidade moderada. Seu sangue foi jogado ao chão pelo mesmo instrumento que o trouxe a tona, deixando por um breve momento suas costas limpas. O único grito que ousou liberar limitou-se ao travesseiro.

Um filete de sangue começou a escorrer da extremidade do corte voltada para baixo, e antes que este alcançasse a perna da menina, suas costas dividiam-se em quatro partes de tamanhos diferentes; e logo em sete. O sangue que jogado pelo chicote parecia calculadamente atingir o limite da área de drenagem que existia no chão. O sangue que escorria das costas da garotinha tinha o mesmo destino, contudo passavam antes pelo vestido que anteriormente estava sujo apenas com três gotas provenientes da sopa. Antes que o sangue pudesse estancar suas costas sentiram o suave toque da úmida toalha de algodão que limpava suas novas cicatrizes. Assim que o sangue para de verter, a mão pega docemente sua filha no colo levandô-a para uma banheira situada no mesmo comodo, e, enquanto a banhava carinhosamente, proferiu uma frase e nada mais.

- É para o seu bem filhinha.

Dias mais tarde, alegremente, a criança brincava próxima a um estábulo, correndo pelo gramado, quando é surpreendida pela fuga de um dos cavalos que quase a pisoteou. Passado o susto ela percebeu a única coisa que não poderia ter acontecido. A barra de seu novo vestido esta suja em uma pequena parte. Por sorte sua mãe não estava próxima, e os poucos empregados que a viram nesta situação nada falaram e fizeram-na trocar de roupa o quanto antes.

Na noite do mesmo dia do incidente equestre, o estábulo recebe uma visitante incomum. Guiada pela luz da lanterna em sua mão direita, e mantendo a mão esquerda atrás de si, em um ato que poderia ser visto como um certo nervosismo, ela adentrou e foi direto à baia do cavalo recem capturado, abrindo-a.  Colocou a lanterna no chão, com cuidado, para que ela não virasse e a chama da vela se alastra-se por todo o estábulo. Aproximou-se calmamente do cavalo, e com a ajuda de um banquinho que lá estava, gentilmente acaricia o focinho e a cara do animal, que instintivamente abaixa a cabeça e a encosta no corpo da menina, retribuindo o carinho.

- Desculpe-me, mas terei que puní-lo, assim como minha mãe pune a mim quando sujo a minha roupa, ou a roupa dela.

Neste momento a garota dá um forte abraço com seu braço direito, enquanto que com o esquerdo desfere um golpe com a faca que pegou na cozinha momentos antes. O instrumento de corte atinge a garganta do animal, na junção da cabeça com o pescoço. O cavalo a jogou para longe, em cima de um dos montes de feno e começou a debater-se, sofrendo por não conseguir respirar devido a obstrução da garganta pela faca e ao sangue que começava a escorrer garganta a dentro. Relinchar era impossível para o animal, impossibilitando a chance de alguém ouví-lo e vir em seu socorro. Sua força esvaía-se rapidamente, e em questão de minutos o equino agonizava no chão, em meio ao feno todo revirado. A menina assistia a tudo coma lanterna novamente em sua mão.  Meia hora depois o animal já não tinha movimento algum. Neste momento a garotinhaAção que provoca um esguicho de sangue, que passa perigosamente próximo a sua roupa. Uma cena que passou em câmera lenta em sua mente. Um instante que durou horas.

Na manhã seguinte, o incidente foi visto como uma ação de um vândalo que cruzou por aquelas terras; e vida voltou a transcorrer "normalmente", até que um dia, em meio a um chá de mãe e filha, um resquício de sabão na asa de uma das xícaras causa um acidente. O liquido contido na mesma passou a fluir pela mesa e então por sobre o vestido da garotinha. Uma cena que passou em câmera lenta em sua mente. Um instante que durou horas. Sem nada falar a menina apenas levantou-se indo em direção ao quarto. A mão permaneceu um bom tempo parada, chocada com o ocorrido.

Aproximadamente uma hora depois a mulher entra no quarto, de mãos nuas, abrindo rapidamente a porta que fechou-se logo em seguida atrás dela.

- Hora da sua punição mamãe.

A mulher vira-se o mais rápido que pode, demonstrando um misto de medo e surpresa com o tom das palavras que acabara de ouvir.

- Mas apenas uma vez.

Eis que uma faca é revelada na mão esquerda da garotinha, que sem hesitação desfere um golpe, uma estocada, que atinge um dos braços usados para defender-se. Mas a ação da menina não parou por aí, dando início a uma seguencia de investidas, e cada uma deixando sua marca na mulher que tentava escapar como podia. Um a um dos ataques tornavam-se cenas em câmera lenta. Instantes que duravam horas. Esta sensação era sentida por ambas, contudo não da mesma maneira. Até que tudo parou.

- Tens que ficar parada, lembra?

E assim permaneceram. Uma eternidade para a criança e um segundo para a mulher. Segundo este tão rápido que foi o suficiente para ela percebesse tarde de mais a nova investida da garotinha. O novo ataque incide precisamente na garganta, na junção da cabeça com o pescoço. O misto de surpresa e , desta vez, desespero tomou conta da mulher que levou as mãos à sua garganta, em um ultimo fio de esperança de que aquilo tudo não fosse real. E a realidade era incontestável. O ar não passava mais por sua garganta, sua fala era impossível. Inutilmente ela retirou a faca, com certa dificuldade, deixandô-a cair no chão em seguida. Consequentemente o sangue começou a verter com mais velocidade fazendô-a afogar-se no seu próprio sangue; processo acelerado pela sua vital tentativa de respirar, em busca de um milímetro cúbico de ar que pudesse chegar aos seus pulmões. E finalmente a punição teve fim.

Ao sair do quarto a garota depara-se com um ser elegante estendo a mão. Neste instante um detalhe destacava-se perante toda a cena; não se encontrava uma gota, por menor que fosse, de sangue na roupa ou na própria criança.


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Um comentário:

  1. Será que agora conseguirei comentar?
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    Esse conto foi um dos mais assustadores que já li, o mais assustador vindo de quem escreveu. O misto da inocência de uma criança, jamais me levaria a pensar tais atos. Aqui descobri que ainda não sou tão fora da sociedade, que a psicopatia ainda me assusta. (risos)
    Muito bom conto.

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Meus codiais agradecimentos aos elogios e críticas acima contidos.